A surdez não é uma limitação, mas uma forma única de perceber o mundo. Por trás do silêncio, existe uma cultura rica, visual e cheia de identidade: a cultura surda.
A palavra “cultura” refere-se ao conjunto de valores, crenças, costumes, comportamentos e formas de expressão que caracterizam um grupo social. Ela molda a maneira como as pessoas se relacionam com o mundo e entre si. Por isso, falar em cultura surda é reconhecer a existência de uma identidade distinta da cultura ouvinte.
Neste artigo, você vai entender o que é a cultura surda, qual é o seu papel na valorização das pessoas não ouvintes, suas identidades, manifestações artísticas, Língua de Sinais, marco histórico na educação, artefatos culturais e como a tecnologia contribui para a inclusão. Boa leitura!
É simples definir a cultura surda?
Definir a cultura surda não é uma tarefa simples. Trata-se de um conceito complexo que vai muito além da Língua Brasileira de Sinais (Libras). Envolve crenças, tradições, vivências sociais, valores, manifestações artísticas e formas de identidade.
As pessoas surdas compartilham um modo próprio de ver, sentir e interagir com o mundo. Esse modo é marcado por uma percepção visual intensa, uso do corpo como expressão e conexões comunitárias que reforçam o senso de pertencimento.
Assim, a cultura surda não apenas define um grupo, mas contribui diretamente para que pessoas não ouvintes sejam reconhecidas, respeitadas e valorizadas pela sociedade.
Dentre os elementos que compõem essa cultura, estão as identidades surdas, que expressam as diferentes formas como pessoas com surdez se relacionam com a comunidade surda e com o mundo ouvinte.
Quais são as 7 identidades surdas?
No século XVI, o pensador italiano Girolamo Cardano foi um dos primeiros a afirmar que pessoas surdas são plenamente capazes de raciocinar e aprender — algo revolucionário para a época. Hoje, essa visão está mais viva do que nunca.
A pesquisadora brasileira Gladis Perlin, uma das principais especialistas no tema, propõe que a identidade surda pode se manifestar de diferentes formas, dependendo da origem da surdez, acesso à língua, histórias pessoais e laços com a comunidade. Conheça as sete identidades principais:
Identidade Surda ou Política
Pessoas que se reconhecem como membros da comunidade surda, rejeitam o oralismo, priorizam Libras e convivem principalmente com outros surdos. Participam de associações e consomem conteúdo acessível.
Identidade Surda Híbrida
Nasceram ouvintes, mas perderam a audição por doenças ou fatores hereditários. Aprendem Libras posteriormente e passam a se integrar à comunidade surda.
Identidade Surda Flutuante
Surdos oralizados que convivem apenas em ambientes ouvintes e não mantêm vínculos com a cultura surda. Não usam Libras, Língua de Sinais ou recursos de acessibilidade.
Identidade Surda Embaçada
Pessoas que não tiveram acesso nem à Libras, Língua de Sinais ou português escrito. Comunicam-se por mímicas e enfrentam dificuldades de inserção social.
Identidade Surda de Transição
Cresceram no meio ouvinte, mas ao conhecer a comunidade surda, demonstram interesse em participar dela. Portanto, transitam entre os dois mundos.
Identidade Surda de Diáspora
Pessoas surdas que circulam por diferentes regiões ou países, convivendo com várias línguas de sinais. Adquirem um repertório cultural mais amplo.
Identidade Surda Intermediária
Transitam entre os dois grupos. Comunicam-se bem em português e Libras, adaptando-se a diferentes contextos, com ou sem uso de recursos acessíveis.
Qual a diferença entre cultura surda e comunidade surda?
A cultura surda é o que é compartilhado: valores, língua, expressões artísticas, tradições e experiências visuais que formam a identidade coletiva das pessoas surdas.
Já a comunidade surda é quem compartilha: o grupo social formado por pessoas surdas, usuárias de Libras, e também por ouvintes que participam ativamente dessa cultura, como familiares, professores, amigos e intérpretes.
Nem toda pessoa surda faz parte da comunidade surda — especialmente aquelas que não tiveram acesso à Libras desde a infância. E, por outro lado, nem todos os membros da comunidade são surdos: ouvintes que atuam pela inclusão e acessibilidade também estão inseridos nela.
Entender essa diferença é essencial para valorizar a pluralidade da experiência surda e promover convivência, pertencimento e respeito à diversidade linguística e cultural.
Como a história influenciou a educação de surdos no Brasil?
A história da educação de surdos no Brasil foi marcada por avanços e retrocessos. Em 1857, foi criado o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), no Rio de Janeiro. Durante o século XX, porém, o oralismo passou a dominar, especialmente após o Congresso de Milão (1880), que desestimulou o uso de línguas de sinais no mundo.
É interessante perceber que há uma diferença entre línguas de sinais e Libras. A língua de sinais é universal, enquanto Libras é o nome específico da língua brasileira de sinais.
Por muito tempo, alunos surdos foram forçados a se adaptar à lógica ouvinte, com a Libras sendo proibida nas salas de aula. Isso comprometeu o desenvolvimento linguístico, cognitivo e identitário de milhares de estudantes.
Somente a partir da Lei 10.436/2002, que reconheceu a Libras como língua oficial da comunidade surda, houve uma mudança de direção. Com isso, surgiram propostas de educação bilíngue, nas quais Libras é a primeira língua e o português escrito, a segunda.
Essa evolução reafirma que a educação de surdos não é apenas uma questão pedagógica, mas também cultural e política. Hoje, embora os desafios persistam, os avanços já são expressivos na construção de uma escola mais inclusiva.
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Quais são as formas de expressão na arte surda?
A arte surda é uma das formas mais fortes de expressar identidade, resistência e pertencimento. Por meio de performances visuais e corporais, artistas surdos dão voz às suas experiências e fortalecem a cultura que compartilham. Confira as principais formas:
- Artes visuais e cênicas: como o teatro em Libras, a pintura, a escultura e outras linguagens visuais que comunicam vivências surdas;
- Literatura em Libras: com narrativas e poesias sinalizadas, incluindo os slams surdos e o Slam do Corpo, que misturam Libras e português;
- Música em Libras: canções traduzidas com ritmo, emoção e adaptações culturais para tornar a experiência visual e sensível;
- Dança: artistas surdos usam a vibração sonora e a percepção do ambiente para criar coreografias intensas e expressivas;
- Tecnologias adaptadas: como alarmes luminosos, vídeos com legenda e tradutores em tempo real, que facilitam a comunicação e a produção cultural.
Quais são os 8 artefatos da cultura surda?
A pesquisadora Karin Strobel, uma das maiores referências sobre o tema no Brasil, organizou a cultura surda em oito artefatos fundamentais, que ajudam a entender suas bases e expressões:
- Visualidade: a visão como sentido central para comunicação e percepção do mundo;
- Linguístico: a Libras como língua de estrutura própria e elemento de identidade;
- Familiar: a importância do ambiente familiar no desenvolvimento cultural;
- Literatura Surda: narrativas e poesias sinalizadas que preservam memórias e valores;
- Vida social e esportiva: eventos, encontros e jogos que reforçam laços comunitários;
- Artes Visuais: produções que comunicam identidade e vivências por meio de imagens;
- Política: luta por direitos, representatividade e reconhecimento social;
- Materiais: objetos e tecnologias que substituem o som por luz ou vibração.
Esses artefatos mostram que a cultura surda é ampla, diversa e viva, atravessando o cotidiano, a arte, a política e as relações sociais.
Como a tecnologia auxilia na acessibilidade para surdos?
O escritor surdo de identidade surda flutuante José Antônio relata que “a educação de surdos no Brasil passou por transformações significativas, mas ainda enfrenta desafios antigos. Os obstáculos são muitos. Primeiramente, persiste a falta de acesso a uma educação verdadeiramente qualificada. Além disso, em grande parte do Brasil, não havia opções de escolaridade avançada nas escolas para surdos, que eram frequentemente encaminhados para escolas regulares sem qualquer tipo de suporte adequado.”
A tecnologia tem sido uma aliada fundamental na inclusão de pessoas surdas. Ao eliminar barreiras de comunicação, ela amplia o acesso à informação, à educação, ao trabalho e à cidadania.
Recursos como aplicativos de tradução para Libras, vídeos com legendas, interpretação em tempo real e dispositivos vibratórios ou luminosos tornam o dia a dia mais acessível e seguro.
Ao unir inovação e acessibilidade, a tecnologia não apenas facilita a comunicação, mas também fortalece a identidade surda e contribui para uma sociedade mais justa e diversa.
O escrito complementa que “quanto à tecnologia, sem dúvida, ela tem influenciado profundamente a cultura surda, trazendo avanços significativos em comunicação, educação, acesso à informação e fortalecimento da comunidade. Além disso, os aplicativos de mensagens instantâneas têm sido uma solução essencial para pessoas surdas que precisam se comunicar à distância. Essas ferramentas proporcionaram autonomia e desenvolvimento.”
Conclusão
A cultura surda é muito mais do que uma expressão linguística. Ela é feita de valores, histórias, resistências e formas de existir. Compreendê-la é reconhecer que a diversidade linguística e cultural é essencial para a inclusão de verdade.
Promover o acesso à educação bilíngue, respeitar as diferentes identidades surdas e ampliar o uso de tecnologias acessíveis são passos fundamentais para garantir que todos tenham voz, ainda que essa voz seja visual.
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Este artigo contou com a colaboração de José Antônio autor de “O Despertar de uma Mente Silenciosa”, livro que retrata a vida através dos olhos de um surdo.